TRANS-CULTURA-LIDADE

Minha formação se iniciou na Escola de Dança de Wuppertal, cujo corpo docente foi formado pelos dançarinos de Pina Bausch, e a posterior formação cultural híbrida e pluralística como dançarino, se insere no conceito de Royona Mitra (2005) sobre o dançarino transcultural. Baseado no modelo proposto por Mitra (2005), eu tracei a jornada de meu próprio corpo transcultural, a partir do início de meu treinamento técnico, nos padrões da dança clássica e contemporânea e na prática da dança cênica. Por exemplo, meus primeiros contatos corporais, com um idioma específico de performance em outra cultura, foram com as performances e workshops de Kasu Ohno. Completei a minha formação corporal no Chicago City Ballet School of Performing Arts em Estados Unidos e pratiquei dança de jazz na escola de Alvin Alley (entre outras), formada pelos afro-americanos. Posteriormente formei o meu próprio grupo de dança-teatro contemporâneo de vanguarda junto com Diane Elshout, criando trinta performances apresentadas em vários palcos internacionais e premiados com cinco prêmios internacionais para melhor coreografia, melhores dançarinos e ganhando vários prêmios do público.
Como um dançarino treinado em balé clássico e em dança moderna, meu corpo funcionou dentro de rígidos limites impingidos pela educação norte-européia, quanto aos padrões de comportamento impostos ao gênero masculino. Como resultado, meu corpo se tornou quase assexuado. Eu iniciei os treinamentos nas técnicas de contact improvisation, que são as bases do treinamento do teatro físico. Essas práticas demandam precisão, intenso trabalho físico e uma atitude aberta para o contacto com o corpo de outros dançarinos, em um grau de proximidade física muito íntima. Nesse novo contexto, era esperado que meu corpo assexuado expressasse camadas profundas de possibilidades físicas e também minha sensualidade e sexualidade. Por intermédio da prática com a dança afro-brasileira, com as danças dos Orixás e também com a dança popular brasileira, como samba, forró, lambada e arrocha, eu me expus à outra dimensão de corporalidade e expressividade sexual, o que me permitiu, gradualmente, ir liberando meu corpo das rígidas experiências aprisionadoras no passado. Na tentativa de reunir essas experiências e analisá-las, interessei-me em investigar como eu teria que recondicionar o meu corpo a se mover livremente, usando métodos de treinamento que não apenas demandassem destreza de técnicas físicas tão diferentes, mas, também, necessitaria de outro tipo de condicionamento social e cultural de meu self, sexualmente incorporado.
Ao longo da história da dança, os corpos dos dançarinos têm sido estudados, apenas, em seus próprios contextos culturais. Essa abordagem tem sido limitante para dançarinos que não podem ser identificados dentro de um quadro cultural singular. Nos últimos anos, na prática da dança, há um número significativo de profissionais que está usando seus corpos para refletir a transição da diáspora entre suas culturas e as disciplinas que surgem fora delas, o que é chamado por Royona Mitra, Peter Brook e Susan Foster de corpo transcultural.  Mitra (2005, p.3), em CEREBRALITY: REWRITING CORPOREALITY OF A TRANSCULTURAL DANCER, discorrendo sobre os recentes estudos culturais e suas abordagens em relação à noção de corpo, afirma que o corpo, à despeito de sua especificidade cultural (com suas experiências culturais, firmemente, controladas e codificadas), tornou-se o principal tema de discurso dos estudos culturais nos últimos anos. Mitra (2005) se utiliza da noção de corporalidade de Suzan Foster (2005, p....) para explicar esse fenômeno: "[...] O estudo dos corpos através de uma análise da realidade física, não como um corpo natural ou absoluto, mas como uma categoria concreta e substancial da experiência cultural [...]” Desde o início, o corpo é capaz de ser escrito. Nessa escrita, os movimentos do corpo se tornam a fonte de interpretações e julgamentos.
Por intermédio de minha experiência incorporada de dança, a partir de diferentes origens culturais e estilos, especialmente, por meio da intensa exposição e prática das danças dos Orixás, danças afro brasileiras e danças brasileiras populares de ruas, em combinação com minha formação moderna e clássica, eu fui estimulado à criação de movimentos durante o processo da composição de Metamorfoses, performance apresentada no Instituto Cultural Brasil-Alemanha, em julho de 2008, como resultado prático da dissertação Metamorfoses – uma performance inspirada nos rituais sagrados do candomblé, defendida no Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas da UFBA. O analise dos rituais ancestrais sagrados e os rituais da vida artística contemporânea me permitiu integrar corporalmente os valores estéticos que recebi da cultura da dança brasileira com minha formação européia e ocidental.
 Bhabha (1996 apud MEREDITH: 1998) teoriza e fortalece a realidade híbrida de corpos transculturais como certo tipo de forma liminal ou entre - espaços, onde “ocorre a vanguarda da tradução e da negociação". Bhabha (1994: 6) chama essa realidade liminar de terceiro espaço, o que ele considera como um sítio dinâmico "que engendra novas possibilidades". Por meio de minhas intensas experiências, com as danças brasileiras desenvolvi outras habilidades técnicas e criativas, que possibilitaram a integração desses novos elementos, de maneira consciente e inconsciente na criação dos solos.
Além disso, adotando o termo de Patrice Pavis (1996: 6) dançarinos transculturais, que incorporam essa realidade transcultural, são aquelas entidades que operam além de especificidades culturais, em busca de encontrar universalidade de expressão física. Trabalhando além de especificidades de culturas singulares, esses dançarinos transculturais estão sempre negociando fronteiras culturais, identidades sociais e suas realidades encarnadas em movimento. Eles trabalham no terceiro espaço, liminar de Bhabha (1994), o qual "exige um encontro com a novidade". Fernandes (2009), em Culturas e ritmos do corpo, avalia os efeitos que o aspecto transcultural de uma performance pode causar no público, ou seja: “Em cena, o efeito de convivência de culturas distintas pode realçar as diferenças e valorizá-las, questionando no público a questão do familiar e estranho
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