Removemos os desejos da maneira mais radical e efetiva: tornando-os invisíveis, por não olhá-los, e inimagináveis por não pensarmos neles. (BAUMAN, 2010)
A política de fazer escolhas e tomar decisões inerentes ao corpo, e, portanto, também ao corpo de pessoas com deficiências, se modificou radicalmente em tempos recentes. Um dos fatores de importância nessa mudança tem sido a acessibilidade ao universo da dança proporcionado pelo afrouxamento das fronteiras em decorrência dos avanços tecnológicos e do fluxo de informações entre as diversas áreas do conhecimento. Embora a dança tenha sua importância no rompimento de algumas barreiras, quando refletimos sobre os hábitos comportamentais dessas pessoas e sobre criação e configurações em dança elaboradas em seus corpos, observa-se que o preconceito é recorrente, sobretudo decorrente da falta de informação e a intolerância a modelos mais flexíveis de entendimento de corpo que continua circulando. Entendimentos que se apoiam no complexo de determinações sócio-historico-cultural que cercam o universo da dança, tais como as tendências do corpo ideal, virtuoso e de alto rendimento que até então vem sendo mantido. Considerando que o acesso a educação através da arte é um processo complexo e difícil para todas as pessoas, o que exige esforço, dedicação, incentivo e, condições adequadas para que este conhecimento tenha representatividade, para o dançarino com deficiência, esse incentivo deve ser redobrado com ações estimuladoras para a efetiva profissionalização e valorização nos meios artísticos. Chamo a atenção para o fato de que na arte, e, especificamente na dança, os discursos que emergem desses corpos falam do corpo vitima, coitadinho, incapaz de se auto-gerir, inaugurando idéias que além de estimular a crença da ineficiência vão de encontro aos avanços científicos acerca do corpo, no entendimento do corpo como um sujeito biológico e culturalmente implicado no ambiente, o corpo co-autor e munido de um aparato cognitivo, apto para construir conhecimentos e desenvolver diálogos possíveis no mundo que habita. Contrapondo a esses pensamentos equivocados, o conceito de Corpomídia (Katz & Greiner, 2005), aqui se instaura para discutir que a dança construída no corpo, seja ele com deficiência ou não são produzidos e correspondentes às suas experiências, diante de todas as interferências que o cerceiam e obstáculos intrínsecos ao viver cotidiano. Quando se considera estas noções no campo do discurso poético permitirá trazer à tona a complexidade que se estabelece no corpo do dançarino com deficiência e o aproveitamento das suas potencialidades. Pertinente nos aproximar o pensamento do professor Jorge Albuquerque Vieira em seu livro Teoria e Conhecimento em Arte (2006). Para ele, a vida enquanto sistema complexo para sobrevier com autonomia precisa desenvolver estratégias de permanência dialogando com sensibilidade com a realidade emergente. Ai, nesses locais não acreditáveis, a possibilidades de processos imprevisíveis acontecerem abrindo novas rotas é uma oportunidade de florescimento. A necessidade de distribuir outro tipo de informação sobre o corpo de pessoas com deficiência passa pela urgência de consolidar meios educacionais para tal informação. A sua ausência dificulta o desenvolvimento integral desses corpos, bem como o seu acesso a atividades que contribuiriam na melhoria de sua condição física. O tipo de visibilidade que o corpo conquista, portanto, possibilita um determinado rumo político para a sua própria permanência no mundo, pois constrói políticas sociais, culturais e biológicas voltadas para as informações que encarna.
Profa. Dra. Fátima Daltro – Escola de Dança /UFBA
Coordenador projeto pesquisa Poéticas da Diferença – PPGDANCA/UFBA
Coreógrafa Grupo x de Improvisação em Dança
http://encontrodedancainclusiva.blogspot.com/