O corpo como território em territórios diferentes
Wagner Ferraz
O corpo de um ponto de vista sócio e cultural pode ser compreendido como o território onde várias possibilidades de representação social transitam. É no corpo e através dele que o indivíduo se representa para os meios onde vive. GOFFMAN (1985:29) esclarece que quando usa o termo representação o usa para se referir:
“a toda atividade de um indivíduo que se passa num período caracterizado por sua presença contínua diante de um grupo particular de observadores e que tem sobre estes alguma influência”.
Com base nisso pode-se pensar que o homem se representa para o outro de acordo com os modelos comportamentais que aprendeu e aprende durante sua vida, na busca de “falar” algo que cause uma determinada impressão, que pode ser relativa, do outro sobre si.
É importante lembrar que o homem vive em sociedade, mesmo que seja em um grupo restrito com um limitado número de pessoas. Dessa forma transitar por meios como escola, universidade, supermercado, padaria, casa dos vizinhos, casa de amigos, praça, shopping, o local onde se trabalha e qualquer outro meio se faz necessário buscar se representar de diferentes formas. Se utilizando de modelos comportamentais com costumes e valores específicos para tentar provocar um jogo social nesses diferentes meios, na tentativa de estabelecer uma relação de pertencimento.
O outro se torna o motivo pelo qual o indivíduo busca se representar de diferentes formas. Esse outro e esses territórios aos quais habita produzem imagens de representações que esclarecem quais os modelos e códigos aceitos nesses meios. Como diz SKLIAR (2003:22), “... as imagens do outro acabam transformando-nos em refém do outro...”.
Assim, o homem torna-se refém de tantos outros na tentativa de pertencer a esses diferentes territórios habitados por esses “outros”. Onde se representar dando foco ao “outro” se faz necessário para ser reconhecido como capacitado para pertencer a determinado meio podendo transitar por ele.
Então quanto mais territórios se busca explorar e transitar, mais se busca possibilidade de representação tornando-se cada vez mais refém de tantos outros para ter a possibilidade de exercitar o jogo social.
Muitas vezes as formas de representação influenciam diretamente nas formas de apresentação do corpo. Se uma pessoa deseja participar do dito universo da moda, mais especificamente do mundo das modelos das consideradas grandes grifes de roupas, com a intenção de se tornar uma dessas modelos, não basta assumir posturas se representando da forma aceita nesses meios. Será necessário ter o peso corporal estabelecido como o peso adequado para ser uma modelo, além de ter a estatura legitimada como adequada.
O mesmo pode ser observado em outros territórios. Não basta buscar modelos representacionais de fisiculturistas, precisa-se malhar muito em uma academia de musculação, assumir costumes e valores, para ser considerado um “bodybuilder” e ter “voz ativa” nesse território. Talvez a busca pela aparência nesses meios seja um dos elementos da representação.
Será que é necessário tentar se igualar ou se tornar similar para transitar nos espaços dominados por diferentes grupos culturais?
No caso das pessoas com deficiência¹ talvez os códigos reconhecidos e validados nesses meios não sejam os da aparência. Pois para se transitar nesse território se faz necessário se tornar uma pessoa com deficiência? Ou ser um profissional que atue em prol dessas pessoas já se faz suficiente para ser aceito por esses grupos?
Na cultura surda os elementos que muitas vezes legitimam que pessoas ouvintes transitem nesse território são o uso da LIBRAS (língua brasileira de sinais) e a preocupação e interesse por conhecer, participar e contribuir com a Cultura Surda.
AZUA (2001:35) em Habitantes de Babel relata o que seria a lenda de Babel instigando a pensar em relações com a criação de diferentes territórios e diferentes culturas. “O Senhor dispersa os humanos pela face do mundo, convertidos em grupos mutuamente inteligíveis, e assim os converte em signos com que uns nomeiam os outros”.
O autor complementa com questões que levantam algumas interrogações:
“Se o destino dos mortais é ocupar toda a terra, não devem permanecer unidos em uma única cidade, nem é conveniente que usem uma única língua”. AZUA (2001:35)
Teria sido esse acontecimento o primeiro passo que deu início a construção de divisão territorial geográfica, cultural e simbólica?
Os territórios estão firmados, construídos, em construção, muitos já desapareceram e talvez muitos ainda devam surgir. Porém é importante pensar que o corpo é um espaço para uma infinidade de territórios e de manifestações territoriais, alem de ser o corpo o ator que transita em diferentes meios socioculturais. Esbarrando nos limites, rompendo fronteiras, incluindo e excluindo, possibilitando que esses territórios se firmem, se legitimem e se estabeleçam em suas particularidades ou semelhanças com outros.
O corpo constrói os territórios e os territórios influenciam nas construções de e no corpo.
Nota:
1 - Pessoa com deficiência – Termo apresentado no Estatuto da Pessoa com Deficiência do Senador Paulo Paim, Brasília, 2007.
Referência:
AZÚA, Félix de. Sempre em Babel. In: Habitantes de Babel: Políticas e poéticas da diferença. Trad. Semíramis Gorini da Veiga. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
GOFFMAN, Irving. A representação do eu na vida cotidiana. Trad. Maria Célia Santos Raposo. Petrópolis: Vozes, 1985.
SKLIAR, Carlos. Pedagogia (improvável) da diferença: E se o outro não estivesse aí? Trad. Giane Lessa. Rio de Janeiro: DP&A editora, 2003.
Texto publicado na Informe C3 Revista Digital Edição 02 de abril de 2009. www.processoc3.com
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