Publicado por Gerson Moreno el 17 de Agosto de 2009 a las 7:00am
HISTÓRIA DA CIA DE DANÇA BALÉ BAIÃOEm busca de uma Dança Sócio-Transformadora...Comecei a dançar no início da década de noventa em Itapipoca, cidade sem nenhuma tradição acadêmica de dança.Sempre tive necessidade de me expressar pelo corpo em "movimentação livre". Costumava me trancar no quarto para liberar meu corpo numa descontrolada movimentação ao som de um gravador velho. Tinha como inspiração os Espetáculos de Dança que assistia de madrugada na TV enquanto todos dormiam. Além de analisar todos os detalhes das danças assistidas, tinha também que imitá-las tentando aprender os "passos" mais interessantes (geralmente os mais simples).Certa vez, assisti na antiga TVE um bailarino solando. Seu corpo movimentava-se lentamente como se estivesse dentro d'água ou caminhando na lua. A partir desse momento quis fazer algo semelhante utilizando-me dos próprios movimentos que criava e passei a montar coreografias para apresentar em eventos culturais da cidade.Trazia uma certa experiência de teatro que contribuiu muito nessas primeiras tentativas de dançar, principalmente no ato de saber enfrentar grandes públicos como o do Festival Imperatriz da Canção, evento no qual solei pela primeira vez. Lembro que apesar do grande nervosismo daquela noite, trazia comigo um grande desejo de mostrar para as pessoas o que eu sabia fazer. Tinha certeza que ia ser vaiado, pois nunca se viu algo parecido na cidade, porém, estava pronto para entrar em cena.Nesse solo fazia três momentos distintos: primeiro entrava como índio, depois fazia o negro e finalmente um mestiço. Sabia que iam rir das roupas, das músicas e do próprio movimento que ia mostrar, no entanto, falava mais alto a coragem. Se eu não desse aquilo pra eles, quem iria dar e quando? Precisava ver o que iria acontecer comigo ao dançar e com as pessoas no geral. Era como um teste particular, não sabia chamar isso de experimento.O que mais me surpreendeu e fascinou nesse solo foi a magia da criação momentânea, do improvisar em plena apresentação (geralmente esquecia as marcações e criava outras) e a transformação do público no decorrer da apresentação, que foi pouco a pouco deixando de vaiar para aplaudir. Não acreditava ainda no que estava acontecendo, sentia-me inteiro, digno, pleno de alegria. Nunca mais parei de dançar.Com o tempo comecei a montar coreografias para peças teatrais e nisso passei a dividir o que sabia com outras pessoas. Às vezes me sentia meio que mentiroso por não saber muitas vezes o que dizer ou repassar para os outros. O que pra mim era dança estava sendo descoberto em minha prática intuitiva de criação individual. Tudo era muito particular.Quando não sabia que "nomes dar" ou se faltava idéia para costurar coreografia, a única alternativa era inventar. Criava imediatamente uma palavra que resumisse o que eu estava querendo repassar ou pedir das pessoas e o próprio grupo era convidado a dar idéias para o término da dança. Rapidamente se resolvia o problema.Não demorou para que todos começassem a me ver como o dançarino da cidade. Ao ouvir isso sempre sentia uma insatisfação comigo mesmo por não me achar merecedor de tal título. Era como se estivesse enganando a muita gente com uma mentira que não conseguia me livrar; pelo contrário, queria mentir mais, inventar mais ainda que existia dançarino em Itapipoca, que a dança poderia ser possível, palpável, alguém tinha que mentir pelo bem daquela humanidade. Sentia-me desafiado a construir uma dança bem mais consistente, fundamentada em meus anseios de movimentação corporal. Pretendia me tornar seguro naquilo que estava fazendo, mas ainda não compreendia que somente pela intuição isso não seria possível. Foi aí que mais uma vez inventei uma alternativa: resolvi formar um grupo de dança para aprender mais com outras pessoas (dançarinos que descobri nas festas de final de semana). Precisava de um grupo para difundir a dança que começava a ser desenhada em Itapipoca e, sobretudo, para não me sentir o único dançarino da cidade. Desejava testar em outros corpos o que antes havia testado em mim: nascia o "Dance Rua".Por mais que insistisse na sincronia dos dançarinos criando coreografias a partir dos ritmos e das letras das músicas, (na época tinha fascinação em dançar os ritmos brasileiros (coreografias a partir de temas étnicos-culturais e sócio-políticos) e mesmo que insistisse em ensaios enfadonhos, sempre quem acabava errando os "passos" era eu mesmo tendo que apelar para a conhecida improvisação. O público acreditava que meu improviso havia sido ensaiado; quanto aos dançarinos do grupo, passaram a se acostumar com minhas freqüentes improvisações e não mais se admiravam com isso. A vontade de improvisar me levava sempre a incluir nos Shows de Ritmos do Dance Rua um solo meu, onde tinha oportunidade de fazer o que falava mais alto dentro de mim. Mantive esse estilo de trabalho durante três anos.Tendo contato (aulas práticas) com Andreia Bardawil, Silvia Moura, Gero Camilo, dentre outros profissionais da área de dança através do intercâmbio feito pela Secretaria de Cultura de Itapipoca com os mesmos (1996 ),passei a me interessar pela dança contemporânea e acabei influenciando os dançarinos do Dance Rua a desenvolvê-la comigo em um novo grupo: o Balé Baião.O primeiro espetáculo dessa nova fase: "Pátria Sertaneja, a dança do corpo rebelde", foi inteiramente coreografado por mim a partir das descobertas que tive em oficinas de dança, principalmente de seqüências coreográficas que deveriam ser feitas sincronizadamente. A grande ânsia era de "limpar" todos os gestos e movimentos dos dançarinos para que fossem fiéis ao percurso coreográfico em todos os detalhes. Pela primeira vez optei por coreografar um solo meu com marcações invioláveis. Era como se estivesse inconscientemente me preparando para uma futura libertação a partir de um aprisionamento.Ainda nesse período tive a oportunidade de fazer algumas oficinas de Dança Contemporânea e Clássica. Apesar de achar tudo muito interessante sempre sentia dificuldades em acompanhar as variações que eram repassadas. Com relação ao Ballet Clássico, procurava negá-lo por tê-lo como castrante e artificial. Comecei a ler muito sobre a história da dança e a partir da influência de alguns autores desenvolvi um imenso repúdio ao tecnicismo do ballet. Foi quando surgiu a chance de participar da audição para o Colégio de Dança do Ceará, exigindo que eu tivesse alguma noção de ballet clássico e experiência em dança contemporânea. Além disso, tinha que apresentar um trabalho meu (era necessário para que eu fizesse o curso de capacitação de coreógrafos) solo ou grupal.Mostrei um fragmento do novo espetáculo do Balé Baião: "Etnia" em duo; não teve jeito: comecei a dançar em sincronia com meu parceiro, mas em seguida quebrei com as marcações para improvisar. Para meu delírio fui selecionado e cursei o Colégio de Dança durante dois anos, tendo que me mudar para Fortaleza.Na semana fazia aula de ballet clássico freqüentemente, como também de Dança Moderna, Contemporânea, tradicional dentre outros módulos. No final de semana ia para Itapipoca dar assistência ao Balé Baião. Foram dois anos de muita persistência, ousadia e aprendizado. Na ocasião tive acesso a aulas de contato-improvisação com os melhores professores da área. Era como se tivesse encontrado o que buscava há muito tempo e não sabia como achá-lo. Quanto mais me mexia a partir de comandos que eram lançados, mais percebia que tudo o que havia aprendido anteriormente em outras aulas começava a se manifestar em meu corpo. Pensava eu que não estava conseguindo aprender nenhuma técnica de dança, talvez por não ter atenção o suficiente, corpo apropriado ou por ter passado da idade (estava com vinte e sete anos). Tudo me vinha à cabeça, menos que na hora certa meu corpo iria revelar tudo o que absorveu. A proporção que repetia aquele movimento descoberto e dele passava para outro, percebia que minha movimentação estava bem mais diversificada, segura e expansiva. Lidar com o movimento contido e explosivo em tempos diferentes, descobrir fios condutores para o percurso do gesto, escutar o meu silêncio interior, criar pelo ato de criar sem grandes preocupações com temas ou seqüências dramáticas; deixar o movimento falar por si próprio no fluxo do acaso; tudo isso passava a ser realidade no meu corpo que se movia e nas minhas concepções teóricas sobre a dança que desejava construir com o Ballet Baião.Minha grande meta passou a ser preparação técnica. Compreendi que se eu desejava ter bailarinos que improvisassem, precisava repassar para eles todos as técnicas de dança que conhecia a fim de nutri-los com novos códigos corporais que futuramente seriam base para o desenrolar da criação de movimento. Precisava apressar o processo de formação da Cia de forma prática e teórica, integrando a vivência corporal com o aprofundamento e a análise técnica.Comecei a dar aulas dentro de um cronograma mensalmente organizado, sempre incluindo a prática de contato-improvisação, trabalhando exercícios aprendidos no Colégio de Dança do Ceará e jogos inéditos criados por mim em aula. Como resultado dessas vivências montei os espetáculos: "Etnia, o baião das três raças" e "Rebento, dançando o que restou".O espetáculo "Rebento" foi um "divisor de águas" por introduzir na Cia a criação de solos e duos. Ele rompeu com todas as metodologias de criação que anteriormente foram utilizadas nos processos de montagem do Ballet Baião. Deixei de mostrar com meu corpo tudo o que deveria ser feito na coreografia para que os próprios bailarinos descobrissem o seu movimento e tempo ideal. A partir de comandos que criei dentro das aulas comecei a provocar reações nos bailarinos quase sempre aproveitadas dentro de quadros coreográficos. Depois de um certo tempo notei que havia desenvolvido vários comandos bem particulares, exclusivamente da Cia Ballet Baião: exercícios de alongamento e aquecimento bem específicos, jogos que provocarn a criação individual e conjunta de movimento expressivo e caminhos de composição coreográfica. Decidi repetir esses exercícios em aula para melhor fixá-los e passei a analisá-los com os bailarinos da Cia para que juntos teorizássemos sobre o que estávamos fazendo. Desta maneira criou-se uma argumentação filosófica e técnica sistematizando o que seria a dança desenvolvida no Ballet Baião.Antes de qualquer outra característica o Ballet Baião não mais desenvolve espetáculos com coreografias idealizadas por alguém. Os bailarinos são "donos de suas danças" assumindo a criação e a interpretação do que compuseram, dentro de uma concepção comum a todos, que funciona como fio condutor interligando uma coreografia a outra em busca de uma "dramaticidade fragmentada", desfazendo-se do tradicional "começo, meio e fim" para dar lugar a situações dançadas que tendem a não pertencer a lugar nenhum e ao mesmo tempo a todos os tempos, a história nenhuma e a todas as histórias vividas pela humanidade.Os espetáculos "Carne benta, no compasso do divino-profano", "Bonança, corpo e água em poesia" e principalmente "Intimidades", trazem explicitamente essas ânsias que antes eram só minhas e que hoje pertencem a todos os bailarinos-intérpretes da Cia. "Carne Benta" nos ensinou que nossa dança não se repete, acontece somente uma vez, no momento súbito de sua execução. Eternamente "morre" para sempre dar lugar a uma nova tentativa; é eterna somente enquanto é vivenciada no ato da improvisação. "Bonança" nos desafiou a dançar despojadamente, priorizando essencialmente o corpo e sua movimentação poética em interação com o espaço. "Intimidades" significa o reencontro com o movimento natural de nossos corpos em trânsito com o que há de mais erudito em nós. Ele é a somatória de trabalhos individuais e grupais que foram costurados dentro de uma seqüência norteadora. O caminho traçado (marcações cênicas) é o mesmo em todas as apresentações de "Intimidades", mas a movimentação de cada intérprete é momentânea, resultado de horas, semanas, meses de aula e, sobretudo, de sentimentos e emoções que fragilizam e fortalecem cada um de nós no instante que vamos dançar. Somos o que dançamos, e dançamos o que somos; não pretendemos sufocar a verdade que insiste em "quebrar" as "frases coreográficas" pré-estabelecidas. Sem a verdade do movimento vivido não nos sentimos, e não se sentir significa mentir em cena, "vomitar" gestos para preencher uma brecha. Se preciso for é necessário não se mexer para que o corpo esteja apenas em "estado de dança" repudiando o acesso de movimento.Dar somente o necessário, acolher objetivamente o corpo do outro em contextos arrebatadores, tornar visível os "portais" que levam a encontros e desencontros: bailarinos se “encontrando e se perdendo” para novamente se encontrarem, público dançando internamente deixando que a dança interior (dádiva de todos os seres humanos desde o início da história) se manifeste, seja pela petrificação do olhar devorando tudo que vê, seja pela mão, pelo pé, pela perna que mexe inconscientemente assistindo o espetáculo.Tudo isso faz parte do pensamento e da tentativa constante em desenvolver essa poética corpórea via movimentação expressiva.O que mais me chama atenção é o fato de saber que tudo isso não passa de pensamento, ou seja, pode mudar a qualquer instante. Sentir que minha prática de dança parte do princípio que ela deve ser sempre inacabada me deixa acordado, alerta para repensar o que estou fazendo, pronto para avaliar e replanejar meu trabalho enquanto criador-intérprete, pesquisador e professor. Minha dança não passa de uma tentativa incansável, sempre estará incompleta e, ao mesmo tempo plena, refletindo a vida com suas inconstâncias, perdas, achados e buscas, características perceptíveis em todas as pessoas. Por acaso sou mais um desses seres condenados a viver a vida intensamente; eterno enquanto durar meu movimento. Não quero dançar, quero viver!Atuante há 15 anos no município de Itapipoca e Região do Vale do Curu, a Cia de Dança Experimental Balé Baião desenvolve um continuado trabalho de pesquisa, criação, produção e difusão da dança cênica no interior cearense. Dessa maneira vem conquistando reconhecimento de grandes parceiros, tais como o IACC (Instituto Dragão do Mar de Arte e Cultura), SECULT (Secretaria de Cultura do Governo do Estado) e UECE (Universidade Estadual do Ceará).Dirigida por Gerson Moreno (coreógrafo, bailarino, ator, artista plástico e pedagogo) o Balé Baião apresenta em seu repertório espetáculos de cunho humanista e filosófico, onde movimento e gesto humano ganham significação e expressividade poética:· Rebelião do Swing (1994)· Pátria sertaneja (1997)· Etnia (1999)· Rebento, dançando o que restou... (2001)· Carne Benta (2003)· Intimidades (2004)· Bonança (2004)· Sincronia Quebrada (2005)· Finitude (2006)· Fetos e Afetos (2006)· Advento do Ser (2007)· Estética (2007)· Remanescentes (2008)· Sólidos (2008). Cumplicidade na contramão (2009). Aborrescentes (2009). Pátria Sertaneja - Releitura (2009)Em sua longa trajetória vale destacar os principais espaços e eventos onde o Balé Baião circula com seus trabalhos:· Teatro José de Alencar;· Teatro do Dragão do Mar;· Sesc Iracema;· Sesc Emiliano Queiroz;· Circuito Ceará de Cultura (Sebrae)· Vida e Arte (Centro de Convenções de Fortaleza-CE);· Mostra de Dança Litoral Oeste;· Mostra de Solos e Duos de Trairi-CE;· Mostra Queluz de Itapajé-CE;· Mostra de Dança de Paracuru-CE;· Bienal Internacional de Dança de Fortaleza-CE;· Aconchegão de Arte-Vida (Vale do Curu).
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