Publicado por Paulo Duarte el 6 de Mayo de 2009 a las 5:06am
Publicado em "Informativo FdS - Ferraz de Souza - 2ª Edição"Uma imagem: o metropolitano em hora de ponta. Pessoas comprimidas umas nas outras, umas conhecem-se entre si, outras são completamente desconhecidas, no entanto todas em relação. Afinal, o ser humano é em relação… Em si mesmo, de forma especial na sua dimensão corpórea. Daí também a imagem… Pessoas que se relacionam através da corporeidade. No entanto, ao mesmo tempo que estão numa grande proximidade física, talvez a maior parte viva numa imensa distância relacional.De facto, numa sociedade a tender para o individualismo, torna-se urgente realçar quer a dimensão da relação quer a da corporeidade. Basta pensar, por exemplo, que nos dias de hoje as depressões estão a aumentar, muitas provocadas, entre vários motivos, por um lado pela solidão, por outro pela busca de corpos perfeitos. Fará sentido? Não provocará isto a anulação do ser humano? Ou então, não poderemos estar a cair no perigo de, no futuro, o ser humano se tornar uma simples peça da grande engrenagem social?Ser humano……em relação e no seu corpoJoseph Gevaert na obra El problema del hombre coloca uma questão que me parece bastante pertinente: “será o ser humano um ser (individual) orientado em primeiro lugar para o mundo (no qual também existem outros seres humanos), ou será um ser em comunhão com as outras pessoas do mundo?” . Conforme a resposta, assim teremos um seguimento da visão do humano bastante distinto. No entanto, é inevitável o relacionamento como condição humana. O ser humano é em relação.Como base da relação, a pessoa pode colocar(-se) a questão: “quem sou?”. A pessoa vai assim ao encontro de si própria no sentido de aprofundar o relacionamento, não de forma egoísta mas de forma realista. Muitas vezes, a resposta pode revelar os limites mas feita com seriedade, leva ao desenvolvimento de muitas capacidades. Todo o ser humano é limitado, mas por que haveremos de ficar presos ao limite? Por exemplo, o braço tem um comprimento limitado, no entanto a quantidade de movimentos que pode executar é imensa.Creio que, devido ao racionalismo excessivo, o ser humano foi obrigado, por um lado, a esquecer a realidade corpórea de si mesmo, e, por outro, a tentar explicar o que, mais do que uma explicação, é uma vivência. De facto, a pessoa vive com o todo que é. Ao mesmo tempo ama, capta e entende . Evidentemente hoje temos várias situações em que a relação com o próprio corpo não é, de todo, saudável. As preocupações com o corpo, tentando ser-se quem não se é, na imitação de corpos, muitas vezes falsos , levam a doenças sérias como a anorexia, cada vez mais comum na sociedade ocidental.Não se terá de olhar para o corpo com uma nova visão? A fenomenologia, enquanto ciência do mostrar-se, ou seja, daquilo que se manifesta, é um excelente contributo para esta nova visão. Ao tratar do acto do aparecer, a fenomenologia analisa não os fenómenos quantitativos, isto é, de conteúdo, mas os das essências. O mesmo conteúdo pode manifestar-se de formas diversas, conforme o espaço e o tempo em que se dá a manifestação; daí ser necessário ir em busca da essência, daquilo que se mostra, do que se revela, independentemente da sua modificação, quer no espaço quer no tempo .Então, podemos olhar para o corpo com o olhar fenomenológico, enquanto realidade que se mostra, revela, quer a si mesmo quer ao outro. De facto, o corpo é mediador da experiência humana vivida: por um lado, possibilita o contacto e o acesso ao conhecimento do mundo; por outro, não se confunde com o mundo, na medida em que se remete continuamente a alguém, possibilitando-lhe a abertura para o mundo e a capacidade de se situar nele . O corpo projecta-se no mundo e para o mundo, não só numa espacialidade como também numa temporalidade. Porém, para Merleau-Ponty, o espaço e o tempo não são exteriores ao corpo, como uma “soma de pontos justapostos” ou “um tecido de relações” de tal modo que o corpo, mais do que estar no tempo e no espaço, ele “habita no tempo e no espaço” . Podemos dizer, então, que o corpo não está no mundo, mas é no mundo.O ser humano na medida em que se liberta do esquema dualista, de que tem um corpo, vai-se apercebendo que é corpo. A sua presença não é encarada como algo que está, mas alguém que é. A meu ver esse processo de libertação permite à pessoa encontrar-se consigo, com a sua individualidade, como ser único que é. Daí perceber que a descoberta do próprio corpo é de vital importância para a relação humana. O corpo fala e, em situações limite, chega mesmo a gritar, manifestando-se de várias formas, seja através dos gestos ou da maneira de conversar, ou do cumprimento diante do outro.De facto, o ser humano no encontro mais profundo com o seu eu, apercebe se da vivência inevitável da relação com o outro. Mas quem é o outro? O outro pode ser um sujeito ou até uma comunidade.A minha relação com a Relação“Toda a vida actual é encontro” ……estabelecido com muitas ramificações, mais ou menos fortes e simbólicas, com maior ou menor sentido. O ser humano que se abre à relação que é. Mesmo que não queira, não pode descartar de si a vivência com alguém ou até com algo. Parar e questionar o que é isto da relação que me leva ao infinito do Outro. Não um infinito utópico, mas o infinito que me permite descobrir o mundo com um novo olhar.Ao longo dos tempos, o ser humano foi sofrendo variações. Da desvalorização à sobrevalorização, do modernismo, ao apogeu nietzscheano. Do nada poder, até ao poder total, para a busca da omnisciência e omnipotência que nunca terá. O limite assim o impede. Mas será este um limite castrador? De todo que não. O limite não é uma anulação do ser humano, é simplesmente o limite. No entanto, se for absolutizado corre o risco de eliminar, sim, quem o absolutiza.Por isso, na vivência o ser humano tem de encontrar um equilíbrio através da valorização. Ser-se quem se é… Dentro da capacidade e do limite que permitem a relação com o outro, também com capacidades e limites, podendo inclusivamente ou ser os mesmos, ou equivalentes, ou totalmente diferentes.Na actualidade, com tantas possibilidades de desencontro, a pessoa deve chegar à individualidade de si própria, de modo a não ficar nem isolada, nem diluída na sociedade, curiosamente, bastante corporal.O culto do corpo, de modo a imitar esta ou aquela pessoa mais conhecida, leva a que se queira tornear muitas vezes a imagem que a própria pessoa tem de si. A imposição de parâmetros que a sociedade vai colocando obriga a um desfasamento corporal muito grande, por vezes até impossível de alcançar. Ouvindo por vezes esta afirmação: “O meu corpo [como se fosse algo material] não faz parte de mim”, fico a pensar como andará o entendimento do que significa passar por um reconhecimento de quem se é.Se a pessoa não se reconhece, não se sente e não vive como é, poderá projectar-se infinitamente até ao outro ? Por outro lado, ao estar literalmente centrada sobre si, não estará a viver uma relação EU-ISSO , em que o ISSO é ela própria? Ao colocar estas questões faço-o a pensar na sociedade actual, na qual, cada vez mais, devido à competitividade atroz, a pessoa ou se assume como a única e tenta eliminar quem lhe faça frente, ou então se vai anulando, perdendo muitas vezes o sentido para a vida. De facto, cada sujeito é único, não podendo ser comparado enquanto ser com outro, mas é na relação que poderá encontrar o equilíbrio da reciprocidade.O ser humano ao reconhecer-se não implica, de forma essencial, o centrar-se em si. O reconhecimento de si em profundidade levará a uma vivência da realidade de que é para os demais. O reconhecimento é o olhar para si, não diante do espelho, mas diante da humanidade. Assim, também sou quem sou diante dos outros que me impelem a dar de mim.Isto torna-se simples, mas quando eu, enquanto escrevo estas linhas, paro e penso, na medida que me é possível, em toda a humanidade passada e actual, fico com vontade de integrar quer a filosofia buberiana quer a levinaseana. Se por um lado percebo a necessidade da reciprocidade, por outro eu não posso estar à espera de receber nada, tenho de dar tudo pelo outro até ao infinito. O limite também passa por isto, não se consegue dar tudo a todos e em tudo. No entanto, vou sendo eu próprio na medida em que, quando avanço na personalização do outro, contribuo para uma maior libertação da humanidade na qual me incluo.Ora, por isso, mais do que olhar para o corpo pessoal, alargo a visão para o ‘corpo humanidade’, em que toda a pessoa deve ser olhada com a total dignidade. Pode parecer uma visão demasiado ingénua, afinal no mundo real o respeito pela dignidade está muito aquém do que deveria ser. No entanto, faço a distinção entre a dignidade da pessoa e a dignidade dos comportamentos dessa pessoa. Perderá a dignidade pessoal aquele que comete as maiores atrocidades? Não creio. Conseguiremos amar os inimigos, por exemplo? Contudo, os inimigos são pessoas. Na verdade, mais do que ser com e até do que ser para o outro, devo, na medida que me for possível, ser pelo outro, só assim conseguirei amar aquele que me quer anular.Mas conseguirá o ser humano chegar a este ponto? Ora, enquanto estiver fechado na visão centrada em si, ou na sua cultura, sem viver a dimensão da universalidade, o ser humano nunca conseguirá integrar o corpo humanidade total, aceitando todas as pessoas como são, independentemente das suas características. Reconheço que a vivência desta realidade pode ser utópica, tendo em conta o limite presente na realidade que é a complexidade humana. No entanto, se é no limite que encontramos a dificuldade da vivência desta integração da humanidade, será na aceitação do mesmo, juntamente com o reconhecimento das capacidades, que o ser humano, ao ser corpo em relação, a ultrapassará.ConclusõesSer humano em relação, no seu corpo, com o outro. No fundo reconhecer-se como é, aceitando e integrando isso mesmo. Ser quem se é diante dos outros com naturalidade, sem que se seja nem desvalorizado nem sobrevalorizado. Simplesmente ser-se valorizado com os erros e virtudes que caracterizam a pessoa.A resposta ao quem sou? passa, em parte, pela vivência da realidade corporal de si mesmo, limitada e com capacidades. Isto permite encarar o limite não como o fim, mas como algo também natural do próprio humano. O limite deixa de ser uma preocupação, para ser uma realidade com a qual se pode tirar partido quando integrada, ou seja, aumentar a profundidade da relação com o Outro que também é limitado e com capacidades.Na sociedade que, em nome da competitividade, se torna cada vez mais individualista, aprofundar a vivência de mim em direcção ao outro é de uma urgência extrema. Afinal, se as nossas acções são direccionadas num sentido individualista, esquecendo que podem afectar aqueles que nos rodeiam, corremos seriamente o risco de perdermos a noção da relação que é intrínseca à nossa humanidade. A saída de cada um de si em direcção ao outro que mais precisa fará com que todo o ser humano viva com o respeito e a dignidade que lhes são devidos. Então, isto permitirá que seja possível encontrar a unidade – ou seja, o ‘corpo humanidade’ – na riqueza da diversidade do próprio ser humano, ser em relação com tudo, com todos.(O texto têm algumas notas de rodapé que não consegui colocar em "post". Em caso de dúvidas estou ao dispor para esclarecer. Muito obrigado!)BibliografiaBUBER, Martin – Eu e Tu. Ed. Centauro.COELHO, Maria João – Corpo, Pessoa e Afectividade: Da fenomenologia à Bioética, Dissertação de Mestrado, Universidade Nova de Lisboa, 1997. – Consultado em http://www.criticanarede.com/tes_afectividade.html [Visto em 2008.Jan.30].GEVAERT, Joseph – El problema del hombre. Salamanca: Ediciones Sigueme, 1984.HENRY, Michel – Encarnação: Uma Filosofia da Carne. Lisboa: Círculo de Leitores, 2001.MERLEAU-PONTY, Maurice - Phénoménologie de la Perception. Paris: Editions Gallimard, 1945.
Caro Jorge, uma série de perguntas pertinentes, tendo em conta o "convite" pós-moderno a uma auto-realização pessoal - passo o pleonasmo, para acentuar o individualismo, distinto da individualidade.
Concordo com a sua metáfora sobre o amor. No meu texto ressalto a importância do bom auto-conhecimento para uma boa relação. O cultivar-me (seja física, social, intelectual, relacionalmente), permite-me sempre um aprofundar da minha relação com o outro. De facto, a relação é de essência. Pode-se viver alheado do resto do "corpo-humanidade", o que não significa que ele, "corpo-humanidade", deixe de existir. Será possível alguém viver uma solidão absoluta, sem qualquer tipo de problema? Não me parece...
Não concordo quando diz que "parece distante qualquer tipo de ascese". Até mesmo nas academias há uma grande ascese, nas busca do corpo ideal. Não me incomoda a busca do corpo ideal, em si não é um mal. Para mim, torna-se mal quando quero ter um corpo que não existe. No texto falta a nota de rodapé quando me refiro aos "corpos falsos". Na nota refiro-me às situações em que nas publicidades encontramos corpos moldados via "photoshop", tornando-os irreais do ponto de vista humano.
E concordo perfeitamente que a vida é uma estrada, um caminho, mas já considero a importância do sentido a percorrer nesse caminho. Inevitavelmente há o seguimento de um objectivo, que pode ser uma meta idealizada a alcançar, em relação ao próprio corpo, por exemplo.
Espero que haja muito prazer de viver, não como uma obsessão de estar centrado no outro, esquecendo-me de mim, mas articulado com o respeito pelo meu equilíbrio, aliado com o voltar-me para o outro. No fundo, a questão da valorização - quer do próprio, quer do outro - com as capacidades e limites.
É mesmo factível a existencia para o outro??? podemos existir somente para um corpo humanidade? tem comprovado o consumismo das academias que não é tão simples assim a relação do corpo com o corpo-humanidade. Eu particularmente prefiro pensar na metáfora que o amor evoca. No amor o prazer é o de dar prazer, assim quanto mais eu me cultivo para mim, tanto mais eu me cultivo para o outro, e posso inverter essa frase: quanto mais eu me cultivo para o outro, tanto mais eu me cultivo para mim. Caso contrário não haveria amor. Se penso na existencia projetada para o outro, onde estaria o meu prazer de viver? na Ascese da doação? HOje parece tão distante qualquer tipo de ascese. O fato de nos prendermos a imagens que desejamos alcançar de nós mesmos, em si não é um mal. Frequentar academias perseguindo o corpo ideal, que mal pode haver nisso?? Se sabemos que tudo é uma estrada - que os objetivos quase não importam, o que importa o caminho, ou não? E se o desejo do ideal estimula um movimento, porque negá-lo?
Comentarios
Concordo com a sua metáfora sobre o amor. No meu texto ressalto a importância do bom auto-conhecimento para uma boa relação. O cultivar-me (seja física, social, intelectual, relacionalmente), permite-me sempre um aprofundar da minha relação com o outro. De facto, a relação é de essência. Pode-se viver alheado do resto do "corpo-humanidade", o que não significa que ele, "corpo-humanidade", deixe de existir. Será possível alguém viver uma solidão absoluta, sem qualquer tipo de problema? Não me parece...
Não concordo quando diz que "parece distante qualquer tipo de ascese". Até mesmo nas academias há uma grande ascese, nas busca do corpo ideal. Não me incomoda a busca do corpo ideal, em si não é um mal. Para mim, torna-se mal quando quero ter um corpo que não existe. No texto falta a nota de rodapé quando me refiro aos "corpos falsos". Na nota refiro-me às situações em que nas publicidades encontramos corpos moldados via "photoshop", tornando-os irreais do ponto de vista humano.
E concordo perfeitamente que a vida é uma estrada, um caminho, mas já considero a importância do sentido a percorrer nesse caminho. Inevitavelmente há o seguimento de um objectivo, que pode ser uma meta idealizada a alcançar, em relação ao próprio corpo, por exemplo.
Espero que haja muito prazer de viver, não como uma obsessão de estar centrado no outro, esquecendo-me de mim, mas articulado com o respeito pelo meu equilíbrio, aliado com o voltar-me para o outro. No fundo, a questão da valorização - quer do próprio, quer do outro - com as capacidades e limites.