identidade (3)

Corpo Ilegítimo

 

 

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La mirada efectiva la existencia. La palabra da valor y (in)diferencia. En este continente tan legítimo, ¿quién legitima los que ahí están? Los
flujos migratorios actuales dejan claro que el tránsito de los cuerpos
pobres, sucios, denigrados no son bienvenidos en el mundo rico. O en
varios mundos.
Hay otros mundos que reproducen lo que no es una cuestión portuaria. Las
miradas huyen, las palabras no nombran. Oui, je parle français. Yo no.
Falo português mestiço, e intento expresarme en el idioma vecino. Mi
cuerpo intenta copiar los otros idiomas, los que no son mios. I don't
fly low, yo piso bajo. Piso la tierra de mi pueblo, donde todos danzan
la danza no mirada. Los cuerpos no nombrados.
¿Y en este mundo de personas tan sensibles, con su arte, todos podemos danzar la danza limpia, alba, exacta?
Una pregunta que me hago desde que descobri que la danza es una cuestión
aduanera. Yo no tengo pasaporte. Yo soy ilegal, mi cuerpo es el cuerpo
sucio y denigrado de los esclavos y los indios.
Pero sigo intentando pedir mi visa para acceder a la tierra prometida.
Donde la mirada y la palabra nombrará la existencia de aquellos con el
sello de calidad.

 

http://www.sebastiaossoares.com/index.html


Corpo Ilegítimo
La mirada efectiva la existencia. La palabra da valor y (in)diferencia.
En este continente tan legítimo, ¿quién legitima los que ahí están? Los
flujos migratorios actuales dejan claro que el tránsito de los cuerpos
pobres, sucios, denigrados no son bienvenidos en el mundo rico. O en
varios mundos.
Hay otros mundos que reproducen lo que no es una cuestión portuaria. Las
miradas huyen, las palabras no nombran. Oui, je parle français. Yo no.
Falo português mestiço, e intento expresarme en el idioma vecino. Mi
cuerpo intenta copiar los otros idiomas, los que no son mios. I don't
fly low, yo piso bajo. Piso la tierra de mi pueblo, donde todos danzan
la danza no mirada. Los cuerpos no nombrados.
¿Y en este mundo de personas tan sensibles, con su arte, todos podemos danzar la danza limpia, alba, exacta?
Una pregunta que me hago desde que descobri que la danza es una cuestión
aduanera. Yo no tengo pasaporte. Yo soy ilegal, mi cuerpo es el cuerpo
sucio y denigrado de los esclavos y los indios.
Pero sigo intentando pedir mi visa para acceder a la tierra prometida.
Donde la mirada y la palabra nombrará la existencia de aquellos con el
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O responsável

Boyzie Cekwana (coLABoratório/Panorama de Dança) está sendo o responsável por nos unir mais. Refiro-me a nós, os artistas-bolsistas, que, apesar de já estarmos no terceiro período de residência, ainda pouco nos conhecemos. Não apenas em termos do que cada um desenvolve fora daquele espaço de convivência, mas num âmbito mais profundo e, ao mesmo tempo, sutil.Através de exercícios e dinâmicas de contato-improvisação, ele (Boyzie) e Melanie, sua parceira e assistente, têm tocado e cuidado de nossos corpos-espíritos-mentes de maneira bastante especial. O tema é identidade, o que me interessa bastante, mas não há espaço para excesso de conceitualizações.Boyzie e Melanie vêm propondo uma aproximação do tema a partir de aparentemente simples dinâmicas de ocupação do espaço, baseadas numa rotina fixa de movimentos criados por nós e na interação destas.
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por Arthur Marques de Almeida Neto (comunicação oral apresentada no V ENECULT, em Salvador, Bahia, em maio de 2009).RESUMORelações entre trabalhos de dança e políticas nacionalistas estão apresentadas nesse artigo. São tomados como exemplos dessa aproximação alguns trabalhos de balé da corte da Renascença francesa (séc. XVIII) do reinado de Luís XIV e da chamada “Dança Moderna Americana” das décadas de 1930 e 1940. Destacamos a produção do balé “Appalachian Spring”, de 1944, último trabalho da fase “Americana” da coreógrafa Martha Graham. Em ambos os contextos históricos, verificamos a questão da reafirmação de uma identidade nacional através da narrativa de uma nação e a arte da dança servindo como instrumento político para questões de poder de Estado.Palavras-chaves: dança; política; identidade nacional; dança moderna americana; Martha Graham.No trato com questões e abordagens políticas em aproximação com proposições artísticas em dança, parece que a apresentação desses assuntos é incompatível. De modo geral, a reunião de dança e política poderia desmerecer ambas, a partir do entendimento que a dança é um meio abstrato e ambíguo para tratar de questões políticas.Aproximações entre dança e política, longe de ser um exercício de incompatibilidade, expõem intrínseca relação entre proposições artísticas e poderes instituídos, sejam eles de natureza institucional, partidária, estatal, entre outros.O argumento aqui exposto indica que há existência de implicações políticas em trabalhos artísticos de dança desde a época dos balés da corte até os dias atuais.Nesse artigo há o interesse em apresentar de que maneira e sob quais aspectos conceituais se observa a aproximação entre danças e sistemas políticos, enfocando especificamente a discussão da fase Americana da produção coreográfica de Martha Graham.Em contextos históricos, como o período da Renascença francesa na monarquia absolutista de Luís XIV, ocorre a utilização da arte da dança enquanto representante e instrumento do sistema político. Nas décadas de 1930 e 1940, nos Estados Unidos, algumas configurações da chamada Dança Moderna Americana, criadas pela coreógrafa Martha Graham, apresentaram símbolos que se relacionavam com a cultura nacional, explorando a presença de elementos ou aspectos nos trabalhos de dança que remetiam a memórias da origem daquele país, contribuindo para a (re)afirmação da identidade nacional. Aqui, destacamos o último trabalho coreográfico da fase denominada “Americana ” de Graham, intitulado “Appalachian Spring” (1944). “Em ‘Appalachian Spring’ ela fechou seu capítulo sobre a experiência Americana com uma forte resposta afirmativa à sua história e seu desenvolvimento ” (MCDONAGH, 1973, p. 177, tradução nossa).Apontamos que se constitui uma implicação política o fato de trabalhos em dança apresentarem conexões com uma cultura nacional. Isso se dá porque os elementos ou aspectos presentes nas danças podem funcionar como símbolos nacionais. Entendemos que quaisquer danças que se conectam com culturas nacionais colaborem para (re)contar memórias de um povo, e (re)afirmem identidades nacionais. A construção de trabalhos de dança com esse tipo de conexão representa implicações políticas também levando em consideração os interesses do artista ou os interesses do Estado. O artista pode partir da exploração de uma temática nacionalista para conseguir apoio do Estado para montagem dos seus trabalhos. O Estado pode usar essas obras coreográficas como um instrumento para disseminar discursos para seus próprios interesses, como a (re)afirmação das identidades nacionais para manter o controle e a unidade da nação, através da manutenção da ficção da nacionalidade.O argumento desse trabalho segue a idéia de que a Arte, em especial a dança, foi utilizada como um instrumento para servir a ideologias de Estado, como veículo de promoção de determinadas idéias, de discursos políticos e de poder. Tanto o balé, no absolutismo francês, quanto a dança moderna, nos Estados Unidos, representaram identidades nacionais, apresentando implicações de poder e de políticas nacionalistas. O fazer da dança é um ato político que envolve as escolhas do artista-criador, ou seja, os elementos que ele coloca em cena no seu trabalho de dança, que não estão dissociadas de sua ação no mundo, seja ela qual for.Acreditamos que idéias complexas sobre políticas podem ser abordadas pela dança, explorando, inclusive, o seu caráter de ambigüidade. A dança é uma arte abstrata e inerentemente ambígua, ou seja, as idéias que são apresentadas em suas configurações nunca são diretas e as mensagens podem ser muitas. O artista consciente desse poder de abstração e dos vários enfoques que podem ser dados sobre uma temática abordada através da dança, pode trabalhar com ela de maneira a apontar várias perspectivas sobre determinado problema, sem dar respostas simplistas, mas, ao invés disso, gerar reflexão acerca dele. Apontamos que é igualmente interessante conhecer os questionamentos ou propostas levantadas pelo coreógrafo, e considerar também o contexto histórico, social, artístico, político e econômico da produção da obra artística, para ajudar a entender, compreender e identificar o discurso ideológico presente na dança.Entretanto, a compreensão de que propostas artísticas em dança sejam formas de trazer assuntos políticos encontra rejeições. A autora Sarah Rubidge (1989) parece discordar de que a dança seja um meio adequado para tratar de assuntos dessa natureza (RUBIDGE, 1989, p. 25). Expõe o problema de se abordar questões políticas através de uma arte abstrata e ambígua como a dança, devido ao poder de suas imagens e seus meios não-verbais de comunicar idéias (como som e movimento) e à ambigüidade e abstração inerentes à dança, dizendo que “[...] a questão se a dança é um meio apropriado para comunicar as grandes questões políticas de nossa época se mantém um problema de debate” (RUBIDGE, 1989, p. 27, tradução nossa). Rubidge (1989) exemplifica sua posição citando alguns trabalhos de coreógrafos ingleses da década de 1980 que, ao tratarem de temas políticos, expõem os problemas em torno das questões e dão a eles respostas simplistas, ao invés de levantarem vários aspectos de um mesmo problema para que isso possa gerar reflexão. A autora diz que a dança não é, pela sua própria forma de se configurar, um meio discursivo. As imagens geradas pela dança “[...] podem ser extremamente poderosas e mais ambíguas que as palavras [...]” e “[...] não são particularmente apropriadas para usar em discussões onde idéias complexas são chamadas à discussão” (RUBIDGE, 1989, p. 25, tradução nossa).Entendemos que as configurações em dança podem apresentar implicações políticas de uma forma eficiente, desde que os coreógrafos exponham suas questões de forma coerente e organizada. É importante que o criador esteja ciente das possibilidades das leituras ambíguas que a dança proporciona. Dessa forma, acompanhamos a reflexão feita por Rubidge (1989), de que o coreógrafo deve buscar diferentes ângulos e abordagens para uma mesma problemática, não se atendo em respostas simplistas para problemas complexos. Assim, o fazer da dança é um ato político que pode vir a serviço da própria dança como arte e também do contexto social, passível de provocar questionamentos sob diferentes perspectivas de uma temática abordada. Para isso, os trabalhos de dança devem trazer em suas configurações não respostas a problemas políticos, mas suscitar reflexão da platéia sobre esses problemas, apontando para vários fatores que estão implicados neles.Entendemos que a (re)afirmação das identidades nacionais são possíveis através da arte da dança, e essa (re)afirmação está ligada a um exercício político: o da narrativa de uma nação (HALL, 1995). Este fenômeno, o da (re)afirmação das identidades nacionais através da narrativa de uma nação, aconteceu em diferentes danças, como no balé da corte do reinado de Luis XIV e na dança moderna americana das décadas de 1930 e 1940, protagonizada por Martha Graham.O absolutismo francês e o balé da corteA dança desempenhou papel de importância na segunda metade do século XVI, numa França que se caracterizou por tensões políticas e guerras. A unidade do país e a autoridade real centralizadora estavam colocadas em questão e uma sucessão de mulheres estrangeiras no trono enfraqueceria o poder real: Catarina de Médici (por conta das guerras de religião), Maria de Médici (pelas guerras de príncipes) e Ana d’Áustria (com as frondas) (BOURCIER, 1987, p. 73).Por essa razão, houve a necessidade de afirmação do poder real, não para o povo, mas para os que disputavam o poder - denominados Grandes, por Bourcier (1987) - visando à paz e a prosperidade. Nesse contexto, o balé toma uma importância especial, tornando-se um meio de propaganda política, afirmando o poder do príncipe monárquico e enaltecendo a figura do rei (BOURCIER, 1987, p. 73).Inúmeros balés apresentaram propósitos políticos até o advento de Luís XIV. Por exemplo, no Ballet Comique de La Reine (Balé Cômico da Rainha) e em La Délivrance de Renaud (A Libertação de Renaud); com o objetivo de encenar uma lição de política em Ballets de Pau et de Tours ou em La Prospérité dês Armes de France (A Prosperidade das Armas de França) de Richelieu, e até a encenação de um fato político, como a paz de Münster, que inspirou La Naiscence de La Paix (O Nascimento da Paz) a Descartes (BOURCIER, 1987, p. 78).Com propósito político de impressionar os embaixadores poloneses que haviam chegado para negociar um casamento real, Catarina de Medici, em 1573, convocou seus músicos e designers para produzirem um espetáculo de teatro e dança: o Ballet dês Polonais, “[...] uma dança figurativa elaborada apresentada por dezesseis damas da corte representando as dezesseis províncias da França” (COHEN, 1992, p. 7, tradução nossa).Motivada politicamente de maneira a enaltecer a imagem da França, a dança que ficou conhecida como “o primeiro balé” foi criada em 1581 por Balthasar de Beaujoyeulx: o Ballet Comique de la Reine . Sua idéia era confluir música, dança e poesia (conceito já anteriormente realizado por Jean Antoine de Baïf) (COHEN, 1992, p. 19).O Ballet Comique foi primeiro de tudo um grande espetáculo feito para incrementar a glória da França. Enquanto a platéia consistia exclusivamente de dignitários convidados, a publicação do libretto proporcionou uma forma de extenso reconhecimento da imagem nacional. (COHEN, 1992, p. 19, tradução nossa).Há implicações políticas que precisam ser entendidas sobre a dança da corte. Na época do balé da corte, a dança era prática de uma elite, uma vez que “distinguir-se na corte era parte central e essencial das estratégias de sobrevivência dos cortesãos” (ELIAS apud MONTEIRO, in PEREIRA; SOTER, 1998, p. 171). Além de servir como meio de propaganda política para as monarquias, o balé também fazia parte da educação dos nobres.No final do século XVIII, o Rei Luis XIV(1643-1715), também conhecido como o “Rei Sol”, foi o principal responsável pela passagem da dança dos salões da corte para os palcos e estabeleceu o chamado regime absolutista, possivelmente para mostrar a arte símbolo do poder do regime que fundou. Nele, a arte, incluída a dança-balé, era apresentado enquanto símbolo de poder de um sistema exclusivamente aristocrático.Importante para a dança cênica e responsável por tantas transformações, inclusive o da “invenção” das cinco posições básicas do balé - como elas existem até hoje - e da profissionalização da dança, a Renascença francesa (século XVIII) emerge como uma época que expõe a dança como uma arte símbolo da monarquia absoluta, imitada por outros reinados em vários países, como Rússia, Dinamarca e Inglaterra, que importam os talentos franceses, entre eles professores (os chamados mâitres) e bailarinos, possivelmente para consolidação de seus próprios veículos de promoção de poder: a arte da dança, através do balé e suas companhias nacionais.Trabalhamos com a hipótese de que a dança foi (e ainda é) tratada como um instrumento de veiculação de idéias, de discursos políticos e de poder do Estado. Outro exemplo desse tipo de apropriação da arte para fins políticos é a fase de trabalhos nacionalistas da coreógrafa americana Martha Graham.Graham e o Nacionalismo AmericanoNa primeira metade do século XX, fundando o que mais tarde se chamou de “Dança Moderna Americana” (“American Modern Dance”), a coreógrafa Martha Graham buscava o que chamava de uma dança tipicamente americana, inspirando-se em temas de raízes na sua cultura: a colonização do país em direção ao Oeste e o estabelecimento da fronteira, a cultura indígena e a cultura dos seus pioneiros. Assim, estabelece um retorno a um passado americano, com uma óbvia atitude de política nacionalista.Em meados da década de 1930, ela engendrou na produção de danças com temas nacionalistas, onde apresentava personagens da história dos Estados Unidos e símbolos que remetiam à cultura nacional: os pioneiros, os índios americanos cristianizados, a Declaração da Independência, entre outros.É importante percebermos que, desde o início da década de trinta, especialmente em Nova Iorque, o movimento cultural era efervescente, e a dança ocupava um papel de destaque e revolução. Muitos grupos e coreógrafos, tanto os da esquerda (os bailarinos radicais) quanto os identificados como os “burgueses” pela crítica da esquerda, produziam muitos trabalhos de dança, com preocupações ideológicas diferentes. Os grupos de dança da esquerda, preocupados com a situação política, faziam trabalhos ligados à ideologia do movimento trabalhista, buscando denunciar as questões do momento político. Mark Franko (1995) aponta que as danças produzidas pelos grupos formados por trabalhadores “pecavam” por exporem uma mensagem muito direta, óbvia, e pela simplicidade dos trabalhos. A crítica de dança da esquerda da época tachava as danças dos coreógrafos ditos “burgueses” (porque não expunham em seus trabalhos preocupações diretas com a situação política, mas questões pessoais) de muito “abstratas” ou “psicológicas”. Dentre esses coreógrafos chamados de “burgueses”, Martha Graham parecia “encabeçar” o grupo. Entretanto, a coreógrafa, a partir de 1935, começa a tratar de temas nacionalistas.O momento político era de crise, mas a política do presidente Franklin Roosevelt - o “New Deal” – conseguiu suavizar a crítica da esquerda, que endossou algumas partes do New Deal. O chefe do Partido Comunista (“Communist Party”) proclamou, em 1935, que o comunismo era o Americanismo do século vinte e muitos bailarinos revolucionários foram trabalhar para o governo (GRAFF, 1999, p. 130). Logo, o movimento entre os bailarinos – definido em questões ou assuntos de trabalho – estava acabado, e “[...] dentro daquele palco vazio pisaram interesses Americanos, dança Americana, e patriotismo Americano. Este papel coube a Graham naturalmente” (GRAFF, 1999, p. 131, tradução nossa).Concordando com Graff (1999), questionamos se as intenções de Graham estavam ligadas às suas posições políticas ou se eram oportunistas.Graham, subitamente à frente das políticas e da dança, agiu como porta-voz para uma nação reenergizada. Se este papel era parcialmente oportunismo de sua parte, ou se era o resultado de suas convicções mais profundas, isto nunca se saberá. Provavelmente, tanto oportunismo quanto convicção estavam envolvidos. (GRAFF, 1999, p. 131, tradução nossa).“Appalachian Spring” (1944) estreou na Biblioteca do Congresso Nacional. Tinha trilha sonora originalmente composta por Aaron Copland e cenários de Isamu Noguchi. Apresentando símbolos da cultura americana, como os pioneiros americanos que estabeleceram a fronteira na expansão para o Oeste, esta coreografia é o último trabalho da chamada fase “Americana” de Graham (THOMAS, 1995, p. 115).Criado uma década após a chamada Grande Depressão de 1930, uma fase de crise sócio-político-econômica nos Estados Unidos, Appalachian Spring traz uma memória – uma invenção - dos antepassados americanos, um passado mítico, fortalecendo uma conexão com a cultura nacional e com a identidade nacional, “durante os dias obscuros da Segunda Guerra Mundial, quando as mitologias Americanas necessitavam desesperadamente de confirmação” (PHILIP, 1998, tradução nossa).Tendo sido o primeiro trabalho de dança a ser subvencionado pelo governo americano na história, refletimos sobre a intenção do governo americano em subvencionar especificamente este trabalho de dança.Appalachian Spring também marca o primeiro trabalho de dança subvencionada pelo governo, enchendo gerações do debate aquecido sobre o subsídio governamental das artes. Ele estabeleceu a dança como uma importante forma de arte, tão qualificada para a subvenção quanto à sinfonia, ópera ou teatro. Para um pequeno balé de apenas um ato, Spring teve um impacto de uma forma além de qualquer coisa imaginada. (PHILIP, 1998, tradução nossa).Diante do exposto, ao que consideramos uma implicação política na dança, indicamos que possivelmente o governo americano subvencionou esse trabalho por ter identificado na produção coreográfica da fase “Americana” de Graham, um potencial em reforçar a identidade nacional e como propaganda política, através da (re) confirmação de um passado americano como o mito do “herói” pioneiro.Com a propaganda ou marketing político, as idéias reverberam nas culturas nacionais porque encontram importância. As informações ou transmissões culturais se replicam no ambiente, “[...] por meio de um processo que pode ser chamado, no sentido amplo, de imitação ” (DAWKINS, 2001, p. 214). E naquele contexto, mesmo uma década depois da Grande Depressão de 1930, os Estados Unidos buscavam fortalecer a identidade nacional, como o fazem ainda hoje através dos seus filmes, histórias em quadrinhos ou da dança.Appalachian Spring é um trabalho de dança que expõe símbolos nacionais americanos. Graham trabalha esses elementos, mas, em nenhum momento, o massacre aos animais e a tomada da terra dos índios nativos é tratado nesse trabalho ou em qualquer outro do período “Americana”. Assim, o trabalho parece mostrar que o pioneiro americano consolidou a fronteira, sem que, para isso, tenha havido perdas ou conflito, o que, sabidamente, não é verdade.O império norte-americano apóia-se em alicerces aterradores: o massacre de milhões de indígenas, o roubo de suas terras e, depois disso, o seqüestro e a escravização de milhões de negros da África para trabalhar essas terras. Milhares deles morreram no mar, ao serem transportados como gado enjaulado entre os continentes. (ROY in CHOMSKY, 2008, p. 13).Qual a herança da fronteira? Um povo “heróico”? Genocídio e massacre são as verdadeiras heranças do povo americano, como mostram os filmes americanos de “ação” (HOEFLE, 2004). O processo de expansão da fronteira americana em direção ao Oeste foi violento e o legado da fronteira americana para as outras gerações “[...] foi a violência inter-étnica e ódio assim como a desigualdade social e conflito de classe, que ainda representam a agenda social não terminada dos Estados Unidos” (tradução nossa) (HOEFLE, 2004). Outra grande herança da fronteira americana é a política externa que está sempre procurando por inimigos para lutar de forma a evitar “[...] uma sociedade que deveria se virar para si mesma, o que poderia ser para melhor (resolvendo seus problemas sociais) ou para pior (consumindo-se em violência da forma retratada em tantos filmes sádicos de ‘ação’)” (HOEFLE, 2004, tradução nossa).Não admitindo esse passado, sem fazer reparações, nem pedindo desculpas aos negros e nativos, Roy (in CHOMSKY, 2008, p. 14) responde como os Estados Unidos conseguiram sobreviver a seu passado terrível, parecendo concordar com as idéias de Hoefle (2004):Como a maioria dos outros países, os Estados Unidos reescreveram sua história. Mas o que distingue essa nação de outras e a coloca à frente na corrida é que ela alistou os serviços da mais poderosa e bem-sucedida empresa publicitária do mundo: Hollywood. (ROY in CHOMSKY, 2008, p. 14).Assim como os filmes de Hollywood, a dança de Graham pode ter sido identificada como uma forma de propaganda política, dadas as suas implicações nacionalistas e a possibilidade de viajar pelo país e pelo mundo, espalhando um discurso ideológico. Nesse sentido, talvez a forma de organização da dança com suas ambigüidades intrínsecas tenha ajudado na aceitação desse trabalho em outros contextos políticos, como na Ásia, em pleno período da Guerra Fria, onde a companhia de Graham se apresentou em turnê, levando “Appalachian Spring”.Dança e identidade: uma implicação políticaUma história pode ser (re)construída e se tornar aceita dentro de um contexto, caso as idéias encontrem um ambiente onde elas se façam necessárias, no exercício que Stuart Hall (2005) chama de “narrativa de uma nação” (HALL, 2005, p. 50). As culturas nacionais são uma ficção (BAUMAN, 2005, p. 27) necessária ao Estado para que ele possa dominar ou manter um discurso: a identidade nacional. Ela é uma convenção que serve para os interesses de poder dos governos, que buscam uma relação que identifique o povo que, muitas vezes, pertence a culturas diferentes, mas dividem um mesmo espaço geográfico. Portanto, os governos propagam a idéia da nacionalidade buscando unidade.As culturas nacionais são compostas não apenas de instituições culturais, mas também de símbolos e representações [...]. As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre a ‘nação’, sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem identidades. Esses sentidos estão contidos nas estórias que são contadas sobre a nação, memórias que conectam seu presente com seu passado e imagens que dela são construídas. (HALL, 2005, p. 50-51, grifo do autor).Culturas nacionais, identidades nacionais ou a idéia de nacionalidade são, portanto, invenções úteis aos Estados para manterem a subordinação, o controle e o poder. Estes se utilizam continuamente de estratégias de manutenção da unidade da nação através do que identificam como “instrumentos” políticos, sendo a Arte, em todas as suas manifestações, um dos mais poderosos.A aproximação entre trabalhos de dança e a abordagem de temas políticos, apesar de parecer incompatível, é possível e ocorre ainda nos dias atuais. Nos exemplos citados, apesar de distantes temporalmente e configurando danças diferentes, percebemos que tanto a dança de Graham quanto o balé da corte da época de Luis XIV reafirmaram identidades nacionais, sendo essa uma implicação política ligada a interesses nacionalistas.O balé da corte tornou a dança uma arte símbolo de um poder absolutista, enaltecendo tanto a monarquia quanto a França como potência política, enquanto Appalachian Spring e outras danças da fase “Americana” de Graham, reunia elementos que remetiam à origem do país, como os “heróis” pioneiros, construindo uma memória dos Estados Unidos através desses símbolos e dessas imagens na dança, encontrando conexão com a cultura nacional e recontando a história Americana através da narrativa de uma nação.REFERÊNCIAS:BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.BOURCIER, Paul. História da dança no Ocidente. São Paulo: Martins Fontes, 1987.COHEN, S. J. Dance as a theatre art, source readings in dance history from 1581 to the present. 2a. ed. Princeton: Princeton Book Company, 1992.DAWKINS, Richard. O gene egoísta. Belo Horizonte: Itatiaia, 2001.GARFUNKEL, Trude. Letter to the world, the life and dances of Martha Graham. New York and Boston: Little Brown Company, 1995.GRAFF, Ellen. Stepping left, dance and politics in New York City, 1928-1942. 2nd printing. Durham and London: Duke University Press, 1999.GRAHAM, Martha. Memória do sangue, uma autobiografia. São Paulo: Siciliano, 1993.HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 10ª. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.FRANKO, Mark. Dancing modernism, performing politics. Bloomington and Indianapolis: Indiana University Press, 1995.HOEFLE, Scott William. Bitter harvest: the frontier legacy of U.S. internal violence and belligerent imperialism. Critique of Anthropology, v. 24, n. 3, 2004. Disponível em: . Acesso em: 15 de jun.2008.MONTEIRO, Mariana. Balé, tradição e ruptura. In: PEREIRA, Roberto; SOTER, Silvia (Org.). Lições de dança 1. Rio de Janeiro: Faculdade da Cidade, 1998. cap. 11, p. 169-189.PHILIP, Richard. Moments – impact of Martha Graham dance Company’s performance ‘Appalachian Spring’ in Coolidge Theater, Library of Congress, Washington, DC, where it premiered Oct. 30, 1944 – Editorial. Dance Magazine. August 1998. FindArticles.com. Disponível em: . Acesso em: 22 jun. 2008.PORTINARI, Maribel. História da dança. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.ROY, Arundhati. A solidão de Noam Chomsky. In: CHOMSKY, Noam. Razões de Estado. Rio de Janeiro: Record, 2008. prefácio, p. 9-24.RUBIDGE, Sarah. Political dance - is dance an appropriate medium for political debate asks Sarah Rubidge. Dance Theatre Journal, Vol. 7, n0. 2, autumn, 1989.THOMAS, Helen. Dance, modernity and culture: exploitations in the sociology of dance. London and New York: Routledge, 1995.
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