INTRODUÇÃO
O grupo Cortocinesis se formou em 2002, na cidade de Bogotá (Colômbia) sob a direção de Vladimir Ilich Rodríguez. Tem o interesse específico de descobrir e desenvolver uma proposta coreográfica e estilística de dança contemporânea, fundamentada no conhecimento de seus integrantes com intenção de explorar campos da criação e interpretação do movimento, acessíveis tanto para o executante como para o espectador. A companhia considera a coreografia como espaço de investigação, a dança como algo que promove a singularidade corporal e o palco como uma zona de trânsito para a construção do ofício do dançarino.
Papayanoquieroserpapaya é ganhadora do Prêmio Nacional de Dança do Ministério da Cultura 2010. Nesse mesmo ano participou da Feira Internacional do livro em Quito-Equador. Durante 2009 foi convidada da Rede de Festivales del Nor-Este de México, dentre eles o Festival Internacional José Limón. Em 2009, também, participou do Festival Impulsos e foi ganhadora do Festival de Danza Contemporánea de Bogotáe e em 2008, foi ganhadora da Beca de Creación da Orquesta Filarmónica de Bogotá.
O ESPETÁCULO
O espetáculo é dividido em duas partes, na qual foi possível assistir presencialmente a primeira no Teatro Vila Velha durante VIVADANÇA Festival Internacional e a segunda através do registro videográfico exibido em sala de aula. A obra Papayanoquieroserpapaya propõe ao espectador um exercício de reflexão sobre os estereótipos de ser colombiano e latino-americano revelando a possibilidade de fazer da dança um exercício político através de uma expressão própria, sem cair no romantismo ou na exacerbação de valores.
O espetáculo faz um passeio por ambientes socio-culturais representativos tais como o futebol, os fenômenos como o sequestro e a violência, as dificuldades para conseguir passaportes e o narcotráfico que configuram o panorama cultural da Colômbia e da América Latina como um todo. Assim, o grupo Cortocinesis toma esses temas e transforma-os em imagem, sem juízos de valor, porém vai mostrando as contradições e ambiguidades e desmistifica os clichês do orgulho nacionalista.
O grupo entra em cena com meia luz, roupas em tons escuros e em um pano de fundo sonoro instrumental que em alguns momentos lembra um apito. A imagem passa a ideia de sobriedade e é uma espécie de introdução ou prólogo do espetáculo. Nesta parte, os movimentos e os deslocamentos do grupo são estruturados dentro dos padrões cênico da dança contemporânea. Contrastando com todo o resto do espetáculo, esse momento talvez seja o primeiro dos muitos clichês que o grupo utiliza como estratégia de ridicularização dos estereótipos.
O interesse criativo e a atenção do espectador se concentra mais no segundo momento. Inesperadamente, a cena anterior se desfaz dando espaço às inúmeras referências com as bolas que entram e saem do palco. Acentuando o contraste entre as duas cenas, começa uma paródia da cultura do futebol que, com um humor ácido, revela as imagens de comportamento social em torno desse esporte mundial.
“O mundo unido por uma bola”. Este foi o slogan da Copa do Mundo de 1986, que foi inserido noinconsciente coletivo de uma geração. É a essa geração que pertencem os membros do Cortocinesis que agora procuram brincar e criticar os velhos valores da identidade latino-americana. Sem dúvida, a bola é o símbolo mais reconhecido de penetração massiva do continente e do mundo, assim, um dos melhores acertos do grupo colombiano foi torná-la fio condutor da inteligente crítica social apresentada. Há dois times rivais, no qual um representa a equipe estrangeira (uniforme branco) e o outro a equipe nacional (uniforme laranja). A primeira carrega um discurso “modelo”, “ideal” que serve de referência para o outro time. Nesse sentido, é possível afirmar que essa equipe representa a fala do colonizador que é criticada com movimentos caricaturais do balé clássico e com fundo musical, também clássico. Já o time laranja representa o colonizado que não usa técnicas para jogar (idéia de que o futebol “corre nas veias” dos latino-americanos) mas que se esforça ao máximo para aprender algum truque com a equipe branca. Assim, o grupo Cortocineses consegue com um recurso cênico simples, mover todo um universo de significados, referências e identidades.
A partir daí, a comicidade dá lugar a um espaço mais tenso identificado pela música destoante e pouca luz no palco. O tema da violência é abordado claramente quando um integrante envolve a cabeça com uma camisa e amarra a dançarina. Começa então uma espécie de duelo entre os dois personagens onde, no fim, a dançarina “mata” o opressor. A primeira parte do espetáculo apresenta ainda a ideia da mulher como objeto sexual e o exacerbado “amor pelo futebol” do latino-americano.
A segunda parte da obra usa referências mais teatrais como a fala, a conversa com o público, e a pantomima. Os bailarinos ganham mais peso cênico e o contacto diminui. O cenário é composto por seis cadeiras representando a sala de uma espera da embaixada. Nesse momento, a fila de solicitantes de visto, seu arquivos e documentos diante das exigências diplomáticas, a interação de cada dançarino com seus papeis, a atuação individual e a imagem coletiva da massa afligida, diminuída, são elementos que recriam ocasiões infelizes da vida urbana que a maioria das pessoas conhece e participa.
O grupo enfoca ainda com seu ácido humor e sarcasmo a corrupção política ao ressaltar que é mais fácil conseguir cocaína do que um visto para ingressar em outro país. Um dançarino simula o ato de esvaziar a cocaína do pacote que continha seus documentos e com esse motivo, o espetáculo chega ao ponto ápice de uma cena onde todos os elementos se alinham a favor do êxtase visual: o grupo cai, pula e gira em cima do pó criando uma nuvem de branca ao redor dos bailarinos. O emprego desse pó fez com que cada movimento do 'contact' tomasse força e produzisse o momento mais poético da coreografia. É possível afirmar que, enquanto o grupo dança sobre o que está ali representado como a cocaína, vai deixando como rastro a crítica social e escancara as contradições do sistema e da sociedade.
Com a cocaína, assim como com uma bola de futebol, com as trapaças e a voz enganadora do consulado, os elementos polivalentes enfocam a leitura de uma nacionalidade que vai desde uma visão autocrítica, intimista, até lúdica na qual, o Cortocinesis revela a identidade de um país. Essa identidade possui diversas faces que no caso do espetáculo é mostrado como raiva, como denúncia e como grito. Papáyanoquieroserpapaya é uma obra de dança contemporânea que, como um espelho, nos conduz as coloridas situações do cotidiano que representam o contexto de nosso país, a contradição entre o cômico e o trágico.
A sensação que fica logo a seguir do espetáculo é o questionamento sobre o que fazer depois que foram apontados os problemas socios-políticos. Em Papayanoquieroserpapaya, o grupo promove um exercício de resposta às perguntas sobre identidade, partindo do ponto de vista de como o latino-americano observa o contexto a que pertence. O título da obra faz referência ao termo “papaya” que entre os colombianos pode ser tanto à vítima quanto ao agressor e a coreografia propõe que a vida é mais que uma cadeia de oportunismos reiterando que não estamos fadados a repetir estigmas. Entretanto, será que nós brasileiros, já tão acostumados a satirizar nossos problemas, conseguimos nos reconhecer como “papayas”, ao mesmo tempo agressor e vítima da própria agressão herdada do nosso processo de colonização? Será mesmo que já não queremos ser papayas?
FICHA TÉCNICA DE PAPAYANOQUIEROSERPAPAYA
Direção geral Cortocinesis: Angela Bello y Vladimir Ilich Rodríguez
Direção e coreografía : Vladimir Ilich Rodríguez
Dramaturgia: Johan Velandia
Intérpretes: Angela Bello, Olga Cruz, Luisa Camacho, Edwin Vargas, Yovanny Martinez, Julián Garcés
Diretor Técnico e Iluminação: Humberto Hernández.
Assistente Geral: Gladis Clavijo
Figurino: Laura Alba
Publicidade: Juan Carlos Chaparro y Felipe Chaparro
REFERÊNCIAS:
CORTOCINESIS. Click iAfecta tu Mundo!. Entrevista. Disponível em: <http://www.clickafectatumundo.com/index.php?option=com_content&view=article&id=206:papa-ya-no-quiero-ser-papaya&catid=48:fines-y-medios&Itemid=82>; Disponível em: 20 jun. 2011.
CORTOCINESIS. Papayanoquieroserpapaya. In: VIVADANÇA Festival Internacional Ano 5. Teatro Vila Velha. Salvador, 27 abr.
IZAGUIRRE, Juan. La Papaya con Conflicto de Identidad. Disponível em: <http://www.danzaballet.com/modules.php?name=News&file=article&sid=2916>;. Acesso em: 20 jun. 2011.
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PAPAYANOQUIEROSERPAPAYA. Produção: Companhia de Dança Cortocinesis. Direção e coreografía: Vladimir Ilich Rodríguez. Dramaturgia: Johan Velandia. Intérpretes:Angela Bello, Olga Cruz, Luisa Camacho, Edwin Vargas, Yovanny Martinez, Julián Garcés. 1DVD (40 min), widescreen, son., color.
PROYECTO MEXICO CURVAS. Projeto. Disponível em: <http://www.google.com.bo/url?sa=t&source=web&cd=1&ved=0CBcQFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.filarmonicabogota.gov.co%2Fsecciones%2Fdanza%2Fimagenes_danza%2Fpapaya.pdf&rct=j&q=proyecto%20mexico%20curvas&ei=0Pn-Tf_XEMPTgAfJ5s3rCg&usg=AFQjCNGvbRmMt46BZNJTHvDdJw-C0zFSJw&cad=rja>;. Acesso em: 20 jun. 2011.
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